terça-feira, 8 de junho de 2010

Estudo da USP relaciona audição e aprendizagem

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Uma avaliação auditiva em 25crianças com idade entre 8 e 14 anos, com queixa de dificuldade na aprendizagem de leitura e escrita, mostrou que elas apresentam ondas — registros da atividade do sistema nervoso auditivo — menores e mais lentas do que o esperado, em relação àquelas sem dificuldades. As ondas das crianças com dificuldade de aprendizado são de menor amplitude e demoram mais para aparecer depois de emitido o som, do que o padrão de amplitude e tamanho de onda considerados normais. Essa alteração, segundo a autora da pesquisa, a fonoaudióloga Ana Claudia de Figueiredo Frizzo, pode não repercutir na acuidade, ou seja, na quantidade auditiva, mas sim na qualidade daquilo que ela escuta.

Ainda, segundo Ana Claudia, essa pode ser mais uma explicação para as dificuldades de aprendizado e que levam as crianças a não acompanharem as atividades escolares. Em geral, aquelas com dificuldades de aprendizagem seguem a vida acadêmica com atraso em relação às sem transtorno e não desenvolvem o aprendizado esperado para a idade cronológica. “Isso acontece porque para aprender a ler e escrever, a criança precisa associar o desenho das letras aos sons que elas têm e por isso precisam de uma boa percepção auditiva”, analisa Ana Claudia.

Para a orientadora da pesquisa, a professora Carolina Araujo Rodrigues Funayama, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, esses resultados mostram que existe uma falha no sistema nervoso auditivo, no processamento daquilo que se escuta.

Carolina diz que esse potencial auditivo ainda se encontra em estudo quanto às repercussões de suas alterações sobre a aprendizagem. “Não há ainda clareza quanto a sua relação com as diversas áreas, como desenvolvimento de funções sensório-motoras e cognitivas, pois esse é o primeiro registro brasileiro sobre esta alteração. Ainda se trata de um achado que precisa ser aplicado em número maior de casos e depois avaliado quanto à utilidade como exame na população de crianças com essas características.”

São vários os fatores relacionados às dificuldades de aprendizagem, entre eles os biológicos como, por exemplo, a exposição do feto ao álcool e outras drogas, às infecções, a deficiência mental de causas genéticas, os distúrbios específicos de linguagem, e as psicopatologias orgânicas como os distúrbios do desenvolvimento da comunicação e social como ocorre ao autismo; e as de causa psicológica, que podem ter origem na família ou escola. “Nessa pesquisa foram excluídos esses fatores, incluindo-se apenas crianças sem causa definida”, diz Carolina.

Testes eletrofisiológicos

Foram feitos testes eletrofisiológicos, semelhante ao eletroencefalograma, que registra os impulsos elétricos no cérebro. Foi avaliado o potencial auditivo de média latência, ou seja, a transmissão dos sinais até as áreas de recepção do córtex cerebral, onde é processada a linguagem, percepção, emoção, cognição, memória. Nesses testes, foi apresentado um som para a criança, ao mesmo tempo em que foram colocados eletrodos sobre a superfície da pele na orelha e na cabeça para medir a atividade cerebral resultante da estimulação sonora. Foram emitidos registros por meio de ondas que permitiram avaliar a percepção auditiva das crianças.

O diagnóstico dos transtornos de aprendizagem foi interdisciplinar e necessitou de avaliação e de parecer de médico neurologista, psicólogo e fonoaudiológico. Fizeram parte da pesquisa crianças atendidas no Ambulatório de Distúrbios do Comportamento e Atenção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). “Foram três anos de estudos e os resultados abrem perspectivas para novas investigações em fonoaudiologia, na área de percepção auditiva em crianças com inabilidades escolares”, diz Ana Cláudia, lembrando que, desde 1995, estudos internacionais já haviam relacionado que crianças com distúrbios de aprendizado escolar apresentam formas de ondas diferentes. “Apesar de terem sido realizados em crianças que falavam e escreviam em língua diferente os resultados dessa pesquisa foram bem semelhantes àqueles obtidos em centros de pesquisa no exterior.”

A pesquisadora sugere que sejam realizados outros estudos em crianças com transtornos de aprendizagem escolar, especialmente em âmbito nacional para possibilitar comparações com seus resultados. “Familiares e professores devem estar atentos aos atrasos das crianças em idade escolar e em caso de dificuldade dirigir estas crianças à profissionais da área de saúde como neurologistas, fonoaudiológicos e psicólogos”, conclui Ana Cláudia.

Segundo a professora Carolina, em outras abordagens, especialmente neuroimagens funcionais, já existem trabalhos observando que processos de estimulação podem auxiliar na melhoria funcional de áreas afetadas.

No Brasil, acredita-se que cerca de 60% das crianças de 4.ª série não apresentam competências para a aquisição da leitura e escrita e a taxa de crianças que permanecem não alfabetizadas neste período é de aproximadamente 20%, segundo dados de 2003 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Essas dificuldades vão desde incapacidade total de leitura até dificuldade de interpretação do texto lido e acarretam prejuízo no desenvolvimento escolar.

Os resultados da pesquisa são do doutorado de Ana Claudia, Avaliação eletrofisiológica da audição em crianças com transtornos de aprendizagem escolar, defendido na FMRP, no início de março.

Fonte: Agência USP

Publicado em: 04/06/2010

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