Especialistas discutem a necessidade da definição de uma proposta curricular unificada para todo o território nacional
Pedro Bottino Teixeira
Da Redação do Todos Pela Educação
Desde a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, cada uma das escolas brasileiras tem autonomia para definir o que, quando e como os alunos devem aprender. Embora pretenda assegurar uma formação básica comum a todos, as Diretrizes Curriculares Nacionais, atualmente em vigência, se opõem à ideia de um currículo nacional unificado, e apresentam determinações gerais a serem complementadas pelos sistemas e instituições de ensino.
Concebida para flexibilizar a definição do programa curricular, a LDB tem sido alvo de emendas parlamentares que determinam a obrigatoriedade de novos conteúdos e disciplinas. Segundo levantamento do Observatório da Educação divulgado há duas semanas, existem hoje mais de 250 propostas nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional.
“A lei pressupunha que cada uma das escolas, norteadas pelas diretrizes estaduais, elaborassem um projeto pedagógico e definissem a própria estrutura curricular”, explica Carlos Roberto Jamil Cury, professor emérito da UFMG e ex-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
Redigida com base nos princípios da Constituição Federal de 1988, a nova LDB criou o conceito de projeto pedagógico e substituiu a ideia de currículo mínimo pelas diretrizes curriculares. A legislação anterior, elaborada durante o regime militar com o objetivo de centralizar o ensino no País, estipulava uma proposta curricular única, sem autonomia para unidades da federação ou mesmo para as escolas.
Para Cury, as diretrizes partiam de um “princípio interessante”, mas mostraram-se ineficientes na prática: “Não posso deixar de ver certo idealismo”. Na avaliação de Jamil Cury, “a proposta presumia que os professores já estivessem tão bem preparados que seriam capazes de dispensar o currículo mínimo e definir os conteúdos indispensáveis para a formação de qualquer brasileiro”.
Cury, que rejeita a concepção de “currículo mínimo à moda antiga”, argumenta que é importante dar autonomia ao corpo decente e aos conselhos estaduais, mas diz que “as diretrizes foram concebidas de forma muito ampla e abandonaram elementos importantes de coesão e homogeneidade”.
Currículo unificado x autonomia dos sistemas de ensino
Integrante do Conselho de Governança do Todos Pela Educação e do Conselho Nacional de Educação, César Callegari é contra um currículo unificado e padronizado para todo o País: “O Brasil é muito grande e tem muitas possibilidades de desenvolvimento educacional”. Em sua opinião, “é preciso garantir o respeito a diferentes estratégias educativas, além de considerar as peculiaridades de cada estado e região”.
Entretanto, ele considera importante “estabelecer ‘expectativas de aprendizagem’ para as diferentes etapas da Educação Básica”. Já existentes em orientações curriculares de algumas redes de ensino, essas expectativas determinam o mínimo esperado que cada aluno aprenda ao final de cada ciclo ou ano letivo, mas não têm força de lei como as DCNs.
Em função das deficiências do sistema educacional brasileiro, principalmente em relação à formação de professores, explica Callegari, “essas expectativas devem funcionar como direito dos estudantes, para que se garanta, por exemplo, que todas as crianças estejam alfabetizadas aos oito anos de idade”.
Definição do que ensinar
Na opinião de José Francisco Soares, professor da UFMG, o Brasil está atrasado em relação à estrutura curricular. “Se queremos que todo aluno seja capaz de compreender os conteúdos básicos, as escolas devem ter uma definição mais clara do que ensinar”, afirma. “É claro que, no que é marginal, as instituições podem ter propostas diferentes”, pondera. “Não se pode adotar um livro texto único. O método, a forma de ensinar, tem que variar. Mas todas devem oferecer o básico: matemática, ciências, leitura etc.”
Para Soares, o modelo atual “confunde a definição do método de ensino com a determinação dos conteúdos básicos” que, na sua avaliação, devem ser os mesmos em todo o território nacional. Segundo ele, o artigo 210 da Constituição Federal já prevê que os sistemas e instituições tenham uma proposta curricular comum: "Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais".
“É preciso ter os dois lados”, afirma Jamil Cury. “Sou favorável que haja um princípio que unifique a Educação do País de ponta a ponta, mas não que o currículo mínimo preencha toda a estrutura curricular.”
Criar disciplinas não é função de deputado
Sobre os projetos de lei que prevêem alteração da LDB para a inclusão de novos conteúdos obrigatórios na grade curricular, existe consenso de que esta não deveria ser atribuição do Legislativo. De 2007 até hoje, seis novas disciplinas foram incluídas na grade curricular da Educação Básica. Além de português, matemática, história, geografia e ciências, os alunos agora devem ter aulas de filosofia, sociologia, artes, música, cultura afro-brasileira e indígena e direitos das crianças e adolescentes.
“Acho que isso é um erro, um desserviço”, critica Soares, que entende que esses conteúdos poderiam ser abordados dentro das disciplinas já existentes, de acordo com a definição de cada instituição de ensino.
"A criação de disciplinas pelos deputados provoca um tumulto na organização dos trabalhos educacionais. Esse assunto tem de ser tratado no âmbito de cada um dos sistemas de ensino”, diz Cesar Callegari, que defende que “currículo não pode ser definido por lei”. “Acho que os parlamentares envolvidos com a melhoria da qualidade da Educação têm outras formas de contribuir, como com a aprovação de emendas que elevem a quantidade de recursos destinados à Educação”, sugere.
De acordo com o Observatório da Educação, o número de propostas que criam novas disciplinais ou propõem alterações no currículo escolar em tramitação no Congresso Nacional corresponde a um quarto de todos os projetos de Educação. Entre eles estão o ensino de esperanto, Educação no trânsito e direito do consumidor.
Foto: João Bittar / MEC
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